Plágio e outras fraudes acadêmicas: o que fazer para nunca ser pego – [Editorial novembro 2019 – 002]

Receba este convite à picardia: saiba como nunca ser pego em um plágio!

Você pode ter chegado a este texto atraído pelo título. Neste caso, há duas possibilidades: ou você entendeu o título como uma chamada para a compreensão do que se configura plágio, a fim de se evitar cometê-lo; ou, na segunda possibilidade, o título lhe surgiu como um convite à picardia, ou seja, você imaginou que neste texto existem instruções perfeitas para se cometer o plágio com eficiência tal que garanta a impunidade de seus praticantes. Se seu caso foi o segundo, este texto é exatamente para você – pois o segredo para nunca ser pego em um plágio é simples e vou entregá-lo sem mais demora. Não quer jamais ser pego em um plágio ou em outras maracutaias intelectuais? O segredo é: não as faça!

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Freud, acusado de usar ideias de Nietzsche enquanto afirmava não conhecê-lo.

Deparo-me usualmente com casos de plágio – e costumo ser bem rigoroso quando isso acontece. Ao contrário de muitos colegas, contudo, acredito que uma parte considerável do plágio acadêmico ocorre sem uma clara intenção de fazê-lo por parte do… digamos assim… “autor”. Digo isso porque em minha experiência docente, que não é longa – devo reconhecer – eventualmente tenho sido confrontado com pessoas que, uma vez pegas em flagrante, podem xingar, espernear, ameaçar, justificar-se ou simplesmente dar uma de joão sem braço, mas no final resignam-se com o resultado. Uma outra parcela de pessoas, no entanto, quando pegas na situação delituosa (sobretudo em trabalhos menores elaborados como avaliação dos componentes curriculares) costumam demonstrar uma autêntica indignação  e buscam argumentar que seus trabalhos não são plágios justamente apontando elementos que constituem a própria fraude. Ou essas pessoas, que não são poucas, desconhecem elas próprias o sentido do termo realidade; ou elas estão falando a verdade – para elas, o que foi feita não é um plágio, sim a forma certa de se elaborar um texto acadêmico. Isso é um problema tão grave quanto interessante.

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Thomas Edson, acusado de se apropriar de invenções alheias

Quando externalizo a percepção de que a maior parte dos plágios não são intencionais – ou melhor, são hediondamente intencionais porque as pessoas estão agindo da forma que acreditam ser a correta (em Direito chamamos isso de boa fé subjetiva) – costumo ser rechaçado. Em favor do meu argumento, em 2016 entra em vigor na França uma lei de integridade na ciência que torna obrigatório aos estudantes de pós-graduação fazer um curso de integridade e ética na pesquisa. Esta é uma iniciativa que, através da conscientização e da ação pedagógica, busca fomentar nos estudantes boas práticas de pesquisa, que resultam no que podemos chamar de boa ciência.

O termo boa ciência pode despertar algumas dúvidas, mas ajuda a elucidar o sentido

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Nanook – primeiro documentário etnográfico, que posteriormente se revelou um famoso caso de fraude.

da expressão “integridade científica”. Podemos pensar em um segmento de reta, onde em uma extremidade estão os trabalhos completamente ineptos – aqueles que fraudam dados, falsificam resultados, violam direitos de participantes e copiam descaradamente ideias de outros autores – nada aí se aproveita. Do lado oposto estão os trabalhos com grau de excelência esperada dos pesquisadores de alto nível – é aí que está a boa ciência. Entre a inépcia absoluta e a excelência desejável há uma enorme zona cinzenta que podemos chamar de zona da desídia. São os trabalhos realizados sem rigor metodológico, sem os devidos cuidado e transparência no tratamento dos dados e sem o zelo necessário na identificação e correta creditação das ideias referenciadas. São, em geral, trabalhos protocolares nos quais o autor está mais preocupado com a conclusão e entrega do trabalho do que com a sua elaboração propriamente dita. Suas conclusões aí estão mais para opiniões aparentemente bem elaboradas do que para afirmações cientificamente adequadas. A boa ciência, portanto, é o resultado do esforço investigativo sistemático, rigoroso quanto ao método, ético quanto aos meios e íntegro quanto ao conteúdo (poderíamos acrescentar também, responsável quanto aos fins).. 

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Alain Sokal elaborou um artigo fake para provar que a revisão por pares de algumas revistas acadêmicas não era confiável – e isso deu muita treta.

A ciência é uma atividade onde os meios importam mais que os fins. Há pouco tempo escutei de um professor na aula de doutorado a seguinte afirmação: “o importante em uma investigação é uma pergunta – não se preocupe muito com a resposta porque a ela sempre vai estar errada”. O que diferencia a ciência de outras formas de conhecimento é o método. O método é o caminho e é ele que permite a transparência necessária à credibilidade de qualquer trabalho acadêmico. Plágio e outras fraudes na pesquisa são atalhos que, ao tentar cortar caminho, violam o método. Uma vez que isso acontece, todo o processo de construção do conhecimento torna-se suspeito, porque perde sua confiabilidade. Então, antes de cometer alguma fraude acadêmica, pense sempre que a confiança é o principal capital de um pesquisador. Sem a confiança de seus pares e da comunidade como um todo, nada do que ele fala será levado em consideração. Agir com integridade é a única maneira de zelar por esse capital. Não faça plágio e mantenha-se sempre  informado sobre as boas práticas científicas. Há uma frase de meme bem conhecida que diz “é possível enganar uma pessoa por muito tempo, ou enganar muitas pessoas por pouco tempo; mas não se se pode enganar muitas pessoas por muito tempo”. A única forma de não ser pego em um plágio é nunca fazê-lo.

SOBRE O AUTOR

Homero Chiaraba é doutorando em direito pelo PPGD/UFBA. Pesquisa democracia e tributação, filosofia do direito e metodologia. http://lattes.cnpq.br/6276642830871448

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